Espaço Félix

Este espaço pretende homenagear aquele que, para mim, foi decisivamente o primeiro e o maior  divulgador da biodiversidade
 do planeta Terra e da importância fundamental de se conservar a natureza - Félix Rodriguez de la Fuente!

As suas obras, "O homem e a Terra" e a "Fauna" representaram para alguns, como eu, um verdadeiro deslumbramento perante as maravilhas do mundo natural, que Félix tão bem sabia comunicar através da palavra e da imagem. Estava-se no início da década de 70 do século passado. 

Meia dúzia de anos volvidos, esses mesmos deslumbrados pelo mundo natural que os rodeava de perto, começavam de forma entusiasta, tal qual dignos pupilos do grande mestre, a procurar concretizar projectos conservacionistas. 

Tinha-se iniciado, então, de forma simples mas consistente o movimento conservacionista em Portugal. 
As primeiras (pouquíssimas) associações ambientalistas começam a formar-se e entre elas destacava-se o NPEPVS - Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem, sediado na cidade do Porto. Aqui, um grupo de gente muito jovem vivia apaixonadamente os ideais conservacionistas de Félix. Paixão que continua.

Deste modo, a presente galeria extravasa o âmbito e as problemáticas ambientais relativas ao concelho de Ovar, procurando de forma abrangente destacar e valorizar os recursos naturais do país e da península ibérica.

Para corporizar este propósito, serão utilizados excertos de textos de F. R. de la Fuente, adaptados sempre que necessário, para contextualizarem as imagens escolhidas.

 
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                                                                     SINOPSE


O bosque e o matagal mediterrânicos:

           (1) Passado e presente

           (2) Ao abrigo de um velho sobreiro

           (4) As gregárias pegas
         
           (5) Arautos da Primavera

           (7) O coelho-bravo 
            
           (9) Os senhores do espaço

         (11) Os viverrídeos


A estepe cerealífera:

            (4) Competidores alados do homem


O bosque caducifólio:

            (7) Os acrobatas do bosque
            
            (11) Os cantores do bosque
            


As marismas:

            (1) Terras pantanosas

            (2) O ano da marisma

            (3) Hábeis arpoadores

            (4) Tímidos e fugazes
            

O litoral:

            (3) As aves das águas superficiais costeiras





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O bosque e o matagal mediterrânicos

    

(1) Passado e presente

           

 “Os ricos bosques de azinheiras, pinheiros, abetos, cedros, alfarrobeiras e zambujeiros, que (no passado) cobriam todos os solos ….”

                          










“…..É muito difícil pensar, por outro lado, que cistos, lentiscos, estevas, medronheiros e outras plantas que caracterizam o matagal não existissem com certa abundância, pelo menos como bosque baixo, quando as árvores existiam por toda a parte”.

 







“ Os ricos bosques .. começaram a rarear, surgindo então o tipo de vegetação secundária que caracteriza hoje as terras mediterrânicas: o matagal mediterrânico … restando apenas aqui e além alguns restos da massa florestal a que estas terras deram origem.”






"Foi o preço pago pela civilização… destruir os bosques, arar as terras e apascentar indiscriminadamente o gado”.






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O bosque e o matagal mediterrânicos


(2) Ao abrigo de um velho sobreiro

           

"Só na Primavera, perto de um velho sobreiro … que pode ultrapassar os 20 m de altura e medir mais de 1.5 m de diâmetro … se pode fazer uma ideia da maravilhosa e surpreendente fauna que o bosque mediterrânico é capaz de albergar e que, sem dúvida, albergou por toda a parte em épocas remotas". 

"… criam e refugiam-se nos sobreiros, a diferentes níveis da sua ramagem, a maior parte das aves que caçam ou se alimentam no matagal, assim como vários mamíferos e répteis … se escondem em troncos esburacados e aí se reproduzem".

"A importância que os sobreiros têm …. é assumida pelas azinheiras em grande parte do bioma mediterrânico, e também pelas oliveiras, ... , e como sucede, por outro lado, nos frondosos castanheiros…."

"Quando tudo era um gigantesco bosque … mamíferos e aves não tinham quaisquer problemas de abrigo. Hoje, no Mediterrâneo, o alimento é suficiente, mas os locais de repouso, alojamento e criação são cada vez mais escassos; e, num trágico encadeamento, os problemas que se põem aos povoadores (animais selvagens) destas terras são cada vez maiores".

 



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O bosque e o matagal mediterrânicos

    


(4) As gregárias pegas


De um modo geral, quando no monte morre uma ovelha, um burro ou uma vaca, os primeiros a chegar são, antes dos corvos e precedendo os abutres, umas aves de cauda longa que parecem feitas para chamar a atenção: as pegas-rabudas (Pica pica). Seguindo a actividade das pegas e de outros pequenos necrófagos, os abutres localizam do ar os animais mortos no solo.



Muito ruidosa e intrometida, primorosamente desenhada de branco e preto, reflectindo tons metálicos azuis e violetas, a pega-rabuda é bem conhecida do homem nas regiões onde vive.



As pegas-rabudas, que se alimentam de pequenos animais (principalmente insectos) e plantas, e só em número reduzido de cadáveres, crias e ovos, unem-se para toda a vida e os consortes passam juntos também o Inverno, embora para dormir se reúnam em grupos numerosos e ruidosos numa pequena mancha florestal situada frequentemente nas margens de um rio.




Com a chegada da Primavera começam a construir um novo ninho, colocando terra e pequenas raízes sobre uma base de paus e cobrindo-o, por vezes, com uma espécie de cúpula, de tal forma que só ficam uma ou duas entradas laterais.

 

Uma parente próxima da pega-rabuda, mais pequena, mais sociável, menos abundante, mas igualmente bela é a pega-azul (Cyanopica cyanus).



Fundamentalmente insectívora e frutívora (gosta de figueiras e oliveiras), a pega-azul põe um problema zoogeográfico, porquanto a sua área de distribuição se reduz a parte de Espanha e Portugal, e milhares de quilómetros mais longe, aos bosques da China, Manchúria e do Japão. Terá sido levada para lá durante as descobertas?






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O bosque e o matagal mediterrânicos

    

(5) Arautos da Primavera



Com a Primavera, milhares e milhares de aves chegam à região mediterrânica … entre estas, as Cegonhas-brancas (Ciconia ciconia), constituem-se como arautos da Primavera …

 



… nidificando frequentemente em velhas construções … torres e campanários...

 



… ou no choupo da margem do ribeiro….

  


Embora se encontrem muitas vezes solitárias, as cegonhas tendem a criar em colónias…

 



O ninho … pode ter caído ou estar muito deteriorado, ... e então ambos os cônjuges empreendem a tarefa de reconstrução …

 


A fêmea põe quatro ovos brancos em fins de Março ou princípios de Abril na região mediterrânica ….. e após uma incubação que é compartilhada por ambos os consortes, começam a nascer os filhos…

 


Alimentadas ... com rãs – que são a base da alimentação das cegonhas – e também com lagartos, pequenos mamíferos, insectos, e até peixes ou pequenas crias roubadas dos ninhos ….

 


Apesar de a cegonha-branca ser uma ave comum na Península Ibérica, o seu efectivo diminuiu muito em toda a parte (sobretudo durante a primeira metade do século XX; apenas na segunda metade desse século se iniciou a recuperação da sua população em Portugal*)

 

 *nota do autor



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O bosque e o matagal mediterrânicos

    

(7) O coelho-bravo 


“O coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) é a peça-chave … da complexa malha ecológica do matagal mediterrânico … linces, raposas, gatos-monteses, toirões, doninhas, águias grandes, médias e pequenas, abutres, milhafres e açores, assim como as grandes cobras, para não citar outros predadores característicos do matagal mediterrânico, encontraram a base da sua alimentação no prolífico coelho”.



“O coelho confia nos seus agudos sentidos para iludir os inimigos. Os olhos, situados de cada lado da cabeça, proporcionam-lhes um vastíssimo campo visual; as orelhas, que poderíamos qualificar de periscópicas, captam os mais leves ruídos.” 

 



“A humidade, o orvalho, a chuva ou a neve depositada sobre as ervas … parecem molestar grandemente os coelhos… interrompem frequentemente a refeição para sacudirem nervosamente as patas anteriores e esfregarem o focinho a fim de se livrarem da humidade.” 



“Os coelhos alimentam-se de toda a espécie de ervas, frutos e sementes, roem cascas e, por vezes, trepam aos ramos baixos para comerem folhas.” 






“… muito territoriais, marcam as suas fronteiras odorificamente, por meio da secreção das glândulas submaxilares, numa atitude e movimento característico, denominado «mentoneio»”.




Entre as actividades de um macho dominante contam-se, entre outras, correr pelo território... 



 deitar-se no solo...



correr para alguma fêmea ... 




“Os coelhos vivem em autênticas cidades subterrâneas …. a cidade compõe-se de um sistema de galerias, ampliadas nos cruzamentos, com grande número de saídas.” 

 



“A fêmea tem três a seis partos, em cada um dos quais dá à luz quatro a doze crias nuas, cegas e com as orelhas fechadas, que, por seu lado, se podem reproduzir a partir dos 5 ou 8 meses de idade …. as fêmeas grávidas aceitam os machos em qualquer período da gestação … “ 





O coelho-bravo viu-se obrigado a evoluir impondo um grande dispêndio de energia aos seus perseguidores e assim baixar o índice da sua apetência .... a esses mecanismos dissuasivos, o coelho acrescentou o aperfeiçoamento da sua capacidade reprodutora, de tal forma que a sua copiosa descendência permite manter, face ao meio, uma adequada densidade populacional.





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O bosque e o matagal mediterrânicos

    

(9) Os senhores do espaço

… são aves de rapina que não precisam de especializações diferenciadas para sobreviverem … autênticos oportunistas, como … a águia-calçada e principalmente os milhafres. 

Contudo, entre estas aves há um especialista diferenciado: a águia-cobreira ou guincho-da-tainha… que se alimenta quase exclusivamente de répteis e anfíbios.



… "a mais pequena e talvez também a mais bela das águias, a águia-calçada (Hieraetus pennatus), assim chamada por ter todo o tarso coberto de penas, que lhe chegam até aos dedos como se fossem umas meias".




"O colorido das águias-calçadas varia muito … contudo, os indivíduos claros costumam predominar sobre os escuros".

  


   

"O milhafre-preto (Milvus migrans) está associado às massas de água …. Na sua alimentação entram os desperdícios, mamíferos e peixes mortos das margens e os anfíbios" …





"Grande especialista de voo à vela, move-se ligeiro durante horas, esquadrinhando o terreno palmo a palmo, em busca de alimento… fazendo oscilar a cauda segundo um plano transversal, de um modo muito característico".

 



…. "é durante as maravilhosas paradas nupciais … que o casal atinge uma grande altura … traça círculos vastos … deixam-se cair num magnífico voo picado … fazendo numerosas acrobacias, ficando repentinamente suspensos no espaço … Esta incrível exibição repete-se …. Prolongando-se durante bastante tempo".




"O milhafre-real ou milhafre-rabo-de-bacalhau (Milvus milvus) tem uma maior envergadura e uma forquilha caudal mais pronunciada … são aves de rapina verdadeiramente formosas, de cabeça clara e olhos âmbar" …

 



Graças à sua baixa densidade, as águias-cobreiras (Circaetus gallicus) sobem facilmente no ar, conservando-se nas correntes térmicas, sobre as encostas das colinas, à espreita das suas presas, que, com a sua excepcional acuidade visual, detectam ao atravessarem os caminhos e zonas nuas.

 



Ao verem uma cobra, as águias-cobreiras (Circaetus gallicus) lançam-se em voo picado … até caírem sobre ela, imobilizando-a com as garras … Em seguida, a águia esmaga com o bico a cabeça da cobra até a matar.

As águias-cobreiras transportam as cobras (95% das presas) para o ninho nas garras ou no interior do papo … 








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O bosque e o matagal mediterrânicos

    

(11) Os viverrídeos




... a geneta é uma sombra que sai ao crepúsculo e se retira quando amanhece. A sua cobertura malhada revela os hábitos florestais ... e os seus olhos grandes e dilatados demonstram os hábitos nocturnos.




... andar entre rochas ou pelos ramos das árvores, comer isto ou aquilo, perseguir ou espiar, saltar ou imobilizar-se subitamente, pode fazê-lo hoje, aqui e agora, para amanhã se comportar de modo diferente noutras circunstâncias, pois, como carnívoro primitivo, a geneta está muito pouco especializada e pode adaptar o seu comportamento a cada situação.



A geneta para se aperceber das sensações tácteis serve-se das enormes vibrissas, situadas no focinho. O seu ouvido é muito delicado, como o provam os altos pavilhões auditivos, ...



Os roedores são o principal alimento das genetas ... mas caçam também bastantes pássaros - que surpreendem certamente enquanto dormem - rãs, muitos insectos, escolopendras e escorpiões, presas que completam com abundantes vegetais, ... , figos, tâmaras, uvas, e até peras e maçãs.


As genetas abrigam-se, normalmente, entre as rochas ou nas concavidades das árvores. 





O saca-rabos percorre rápido o seu território de caça farejando todos os lugares e observando minuciosamente cada recanto. 




Quando ouve ou vê algo de interessante, pára, ... mas, se não encontra qualquer novidade, continua a sua investigação ... 




O saca-rabos ocupa a parte mais espessa do matagal ...  caçam sempre durante as horas de luz ... roedores, coelhos e répteis.






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A estepe cerealífera

    

(4) Competidores alados do homem




As profundas alterações introduzidas pelo homem nos meios naturais exerceram uma profunda influência sobre as populações animais que neles residiam. 



Ao simplificar a composição da cobertura vegetal, deixando-a reduzida a uma ou muito poucas espécies, inúmeros animais viram acabar-se os seus recursos alimentares, enquanto outros deixaram de encontrar no novo meio condições adequadas à sua reprodução. 



No entanto, houve alguns para os quais a modificação representou uma melhoria substancial. As espécies cuja alimentação se baseava nas plantas cultivadas logo viram que aumentava a sua despensa ao mesmo tempo que os seus competidores desapareciam. Livres das pressões ambientais ... o seu número aumentou vertiginosamente e converteram-se num verdadeiro flagelo para as culturas ...


Tal é o caso do estorninho-malhado (Sturnus vulgaris), protegido na Europa central pelo grande número de insectos que devora durante a estação de criação, mas que, nos seus quartéis de Inverno, na região mediterrânica, representa um autêntico flagelo ...



Outros visitantes de Inverno da região mediterrânica que, tal como os estorninhos-malhados, se adaptaram aos meios modificados pelo homem são as gralhas.

A gralha-preta (Corvus corone corone) é uma das espécies que se viram favorecidas pela modificação do bosque mediterrânico, tendo o seu número aumentado, por vezes, excessivamente.



A gralha-calva (Corvus frugilegus) reúnem-se nos campos cultivados .. muitas vezes misturadas com gralhas-pretas...



... os pombos, dos quais uma espécie, o pombo-das-rochas (Columba livia), foi domesticada pelo homem e hoje compartilha com ele os escarpados de pedra das grandes cidades, às quais se adaptou com grande facilidade ...



A sua extraordinária proliferação transformou-o numa praga em numerosas cidades ...



... também o pombo-torcaz (Columba palumbus) ... uma espécie florestal ... que hoje se pode ver com frequência em zonas de cultivo ...



A família das lavercas, calhandras e cotovias, habitantes de paisagens abertas são as espécies mais frequentes nos campos cultivados e nas estepes cerealíferas.




                                   

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O bosque caducifólio

    

(7) Os acrobatas do bosque

 

Sem dúvida, o animal mais característico do bosque, aquele que a nossa imaginação associa imediatamente ao arvoredo, é o esquilo (...) contam-se entre os animais mais populares, devido ao seu aspecto gracioso.




Não há ninguém que, depois de ter podido observar um esquilo sentado sobre as ancas, cobrindo-se com a sua cauda, como se fosse um guarda-sol, semelhante a um espanador em forma de S (...) não tenha ficado completamente preso a este simpático animal.




A agilidade dos esquilos é prodigiosa. Descem pelos troncos de cabeça para baixo (...)



(...) e saltam de árvore em árvore (...)




Os esquilos-comuns (Sciurus vulgaris) alimentam-se de toda a espécie de frutos, nozes, pinhões, bolotas, etc. (...) mordiscando nervosamente a noz que segura (...) com a boca (...)



 


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O bosque caducifólio

    

(11) Os cantores do bosque



A ressurreição do bosque caducifólio na Primavera está marcada ... pelos gorjeios das aves ... 

Cada um dos machos cantores «tem interesse» em que o ouçam ... a apregoar os seus títulos de propriedade ... e a atrair as fêmeas.



 

O bosque de folhagem caduca ... está repleto de invertebrados que vivem entre a folhagem e o húmus ... nos troncos, sobre os ramos, nas folhas e nos frutos. E no Inverno, quando estes em grande parte se escondem ou desaparecem, frutos e sementes completam a alimentação.

Ao nível da espécie, os pássaros florestais resolveram o problema da competição distribuindo entre si o bosque, dividido em territórios ... e entre as espécies, cada uma a explorar um determinado nicho ecológico.


O melro-d'água (Cinclus cinclus),  um pássaro insectívoro, que explora os riachos ... aprendeu a nadar servindo-se das asas como se fossem barbatanas e ... a caminhar contra a corrente, agarrando-se com a as suas fortes patas aos seixos do fundo.



A clareira do bosque é o couto de caça do tordo-comum (Turdus philomelos) ... 




 ... que evita a competição com o melro-preto (Turdus merula), que prefere o bosque baixo, as margens dos regatos e os pequenos prados que se formam entre os arbustos.




As alvéolas, branca, amarela e cinza (Motacilla cinerea), convivem bem, junto dos melros e dos tordos.




Onde o matagal se torna demasiado espesso ... é o território das toutinegras, como a toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla).




Os cerrados sarçais, as silvas herméticas ... são o reino da carriça (Troglodytes troglodytes) ... capaz de se mover pelos interstícios da espessura ... 




Os chapins. Estes formosos pássaros examinam com todo o cuidado a ramagem das árvores ... e o seu bico curioso apalpa, bate, não deixa escapar uma larva ou crisálida.



Mesmo na borda das clareiras ... o papa-moscas-comum (Ficedula hypoleuca), utilizando um ramo nu como vigia e trampolim, lança-se em voo quando vê passar a boa distância um mosquito, uma borboleta ou qualquer insecto voador ...



Os insectos que se albergam nas fendas das cascas dos troncos são presas das trepadeiras, como a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) que possuem um bico ligeiramente curvo, longo e fino, ...




Os piscos-de-peito-ruivo, os cartaxos-comuns (Saxicola torquatus) e os chascos misturam-se com os já caracterizados exploradores dos vários nichos florestais.



 
Até os pardais (Passer domesticus) ... caçam insectos na Primavera, nos próprios limites da massa florestal.




Além destes especialistas, que exploram a riqueza florestal ... vêm os oportunistas, aqueles pássaros que, sem uma adaptação excessivamente marcada, podem aproveitar oportunidades de abundância ... em nichos ocupados por especialistas. É o caso do gaio (Garrulus glandarius).




Os pássaros predadores de insectos constituem uma autêntica polícia sanitária das massas florestais, um formidável exército exterminador de insectos que assegura a prosperidade do bosque baixo e das zonas arborizadas e, indirectamente, a prosperidade do homem.



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As marismas


(1) Terras pantanosas


Sob o céu azul da Primavera, a água calma do grande pântano brilha como um espelho ao qual a brisa arranca reflexos encandeáveis ...



Salpicando a grande extensão inundada, uma infinidade de pequenas ilhas, repletas de espadanas e caniços, rompem a suave corrente e convertem a paisagem num autêntico labirinto onde os únicos pontos de referência são as esbeltas linhas dos choupos e as espessuras de tamargueiras, que mergulham as suas raízes no solo encharcado das margens….

 


 

… o subjugante mundo das grandes marismas é ... o de maior capacidade biogénica do mundo, o que alberga mais vida por unidade de superfície.

 


 

Grande parte desta vida jaz oculta entre as ulvas que atapetam o fundo dos canais ... ou são seres microscópicos que pululam na fina camada de água que cobre grandes extensões. 

 

Contudo, todos estes pequenos organismos constituem os primeiros escalões das complexas cadeias alimentares, e a sua abundância manifesta-se no enorme número e diversidade dos que ocupam andares mais elevados na pirâmide ecológica do pântano.

 


 

Visíveis entre a vegetação das margens dos riachos, as garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta) espreitam, imóveis, transformadas em estátuas, por assim dizer, a passagem de um peixe para o trespassarem com o afiadíssimo arpão do seu bico e engoli-lo depois com enérgicos movimentos do pescoço.

 


 

Um pouco mais longe, em águas pouco profundas, até uma centena de colhereiros (Platalea leucorodia) procuram alimento com os seus bicos longos e achatados.

 


 

E uma infinidade de patos de espécies muito diversas dividem-se pelas águas mais ou menos profundas ...

  


E um exército inteiro de limícolas, entre as quais se destacam os perna-longas (Himantopus himantopus) ... anima com a sua presença as lodosas margens e as extensões cobertas por uma fina camada líquida.

  



E, em algumas das mais belas e melhor conservadas marismas do Sul da Europa*, uma pequena população de flamingos (Phoenicopterus roseus) proporciona o espectáculo mais belo que se pode contemplar no agitado paraíso das terras encharcadas.

 



…. marismas, pântanos, charcos e terrenos alagadiços de tamanho variável … adquirem extraordinária importância como pontos de repouso e paragem temporária durante as migrações, porque, embora alguns dos habitantes dos pântanos sejam sedentários, a maioria migra, anualmente, no Outono e na Primavera.

 


 

 *como a Ria de Aveiro (nota do autor)





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As marismas


(2) O ano da marisma


À medida que o Outono avança, aumenta o caudal dos rios e sobe o nível da água nas planícies encharcadas pelos mesmos….

 



Em Janeiro, aqui passam o Inverno centenas de milhares de patos e vários milhares de gansos …

No mês de Fevereiro começam a criar as aves mais precoces e nesta mesma altura os grous e os gansos, os patos e as tarambolas empreendem a viagem de regresso aos pântanos do Norte.

 



À medida que a estação avança e as águas descem, aumenta o número de aves nidificantes, até que, em Abril a água livre fica coberta por espessa vegetação palustre.

 



Em Junho, a água começa a diminuir nos charcos e neles se concentram as crias de galeirões e patos; os adultos reúnem-se em alguns locais determinados para mudarem as penas…

 



Em Julho secam mesmo os charcos mais profundos e neles asfixiam os peixes de que se alimentam as garças, cegonhas e milhafres, enquanto as poucas aves aquáticas que ficam se dispersam em todas as direcções em busca de zonas mais favoráveis.

 



Mas em breve chegará o Outono, as chuvas voltarão, os rios transbordarão, a marisma inundar-se-á e a vida renascerá.  Nos finais de Outubro, impelidas pelo vento norte, chegarão as primeiras esquadrilhas de aves aquáticas de Inverno.

 




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As marismas


(3) Hábeis arpoadores

 

No arvoredo muito copado das margens ou das ilhotas reúnem-se em populosas colónias principalmente garças de diversas espécies ... 

 



A certa distância, para não as obrigar a abandonar os ninhos e expor os seus ovos ou crias aos predadores, pode ficar-se durante horas e horas a contemplar as suas idas e vindas, os voos acrobáticos e até mesmo as suas actividades piscatórias na marisma próxima.




Ao longo do dia há um incessante movimento na colónia, da qual constantemente levanta voo ou vem pousar uma garça-real (Ardea cinerea), uma garça-boieira (Bubulcus ibis) ou uma garça-branca-pequena (Egretta garzetta), porque estas aves, altamente gregárias na criação ou repouso são estritamente solitárias quando se trata de pescar.

  



Como um sinal de família que permite identificá-las facilmente, todas conservam o pescoço dobrado em S sobre o dorso, enquanto cruzam o céu batendo lentamente as asas arredondadas.

 

 

Esta posição … é de extrema utilidade para capturar um peixe ou uma rã, pois permite-lhes lançar o golpe com uma velocidade vertiginosa e alcançar um ponto aparentemente fora do seu raio de acção.

 




Estas especializações piscatórias passam por caminhar lentamente sobre a água ...




... levantando uma e outra asa.




Em ambos os casos, a sombra elimina os reflexos da superfície e permite uma melhor visão das possíveis presas.






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As marismas


(4) Tímidos e fugazes



Entre o denso bosque de juncos, canas e caniços, as mais pequenas plantas aquáticas entrelaçam-se e opõem um verde e impenetrável véu ao olhar ...

... a voz mais aguda, o mais metálico e penetrante som que se escuta no concerto da lagoa, é o chamamento da galinha-d'água (Gallinula chloropus).



Maiores que as galinhas-d'água, mais numerosos e prolíferos talvez, os galeirões (Fulica atra) são extraordinariamente abundantes nos pântanos, lagos e marismas de toda a região holárctica. 



Tanto o galeirão, com uma maior preferência pelas águas livres, como a galinha-d'água, levantam voo após uma corrida sobre a superfície.

O escudete facial branco dos primeiros e vermelho das segundas permite uma distinção fácil entre estas duas espécies.




... na ecologia deste meio, no capítulo da transformação dos vegetais em proteínas animais, os galeirões e as galinhas-d'água desempenham um papel importantíssimo ... onde são presa de eleição de muitíssimos predadores ...



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O litoral


(3) As aves das águas superficiais costeiras



Os inquilinos deste nível (as águas superficiais) são as ecléticas gaivotas e as elegantes andorinhas-do-mar e gaivinas ...


As adaptáveis gaivotas, ..., são sem dúvida as mais populares aves costeiras ... com o seu potente voo, o seu bico forte e dedos palmados, podem nadar com certa facilidade, percorrer longas distâncias a voar e caminhar, ..., pelas rochas e areais. 




Para elas, qualquer coisa serve, desde o molusco que se encontra entre as fendas de uma rocha até aos cadáveres que o mar lança à costa. 



Também, quando os cardumes de peixes nadam à superfície, se alimentam deles, iniciando mergulhos superficiais de certa altura. 



As gaivotas ... podem comer tanto pousadas em terra como sobre a água, ... ou mesmo no ar,  perseguindo outros congéneres e fazendo-os regurgitar ou abandonar a presa recém capturada.



As gráceis andorinhas-do-mar e as gaivinas, parentes das gaivotas, de aguçados bicos e asas infatigáveis, exploram o estrato da massa líquida que as suas parentes lhes deixaram livres e que os mergulhadores especializados utilizam.

Assim, enquanto as andorinhas-do-mar caçam com os seus característicos voos picados, ..., os peixes de águas muito pouco profundas, ..., sob a superfície do mar... trespassando os peixes mais pequenos e rápidos ...



...as gaivinas alimentam-se de pequenos organismos planctónicos, apanhando-os, com um preciso e delicado movimento de cabeça, da superfície da água.