sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O 22 de Setembro, a Lei de Lavoisier e o carnaval

Nos últimos tempos a comunicação social fez eco de um requerimento apresentado pelo deputado do partido político Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Ovar solicitando à Câmara de Ovar explicações sobre as consequências no meio ambiente do grande incêndio ocorrido na unidade industrial de reciclagem de pneus ‘Biosafe’ no passado mês de Julho de 2007. Na verdade, tal pedido reveste-se de grande pertinência na medida em que tais explicações deveriam ter sido já dadas há muito e de forma espontânea pela autarquia a toda a população de Ovar (e é por estes factos que quero reforçar mais uma vez a ideia de que é pela gravidade que este tipo de situações representam na qualidade de vida e na saúde pública das populações atingidas que, entendo ser hoje em dia impensável e lamentável a ausência em qualquer equipe autárquica de um Vereador de Ambiente vocacionado para esta função).
Lembremo-nos que o gigantesco incêndio derivou da combustão de 10 mil toneladas de granulado de borracha de pneu (material que é constituído por cerca de 70% de carbono), tendo este processo químico sido acompanhado por um significativo aumento da temperatura do ar, de uma enorme produção de fumos tóxicos libertados para a atmosfera e por um consumo exorbitante de água (usada no combate às chamas e subsequente fase de rescaldo, fases que se prolongaram durante vários dias). Considerando que a combustão total de 1 tonelada de pneus produz, entre outros, óxidos de enxofre e de arsénio e qualquer coisa como 2,56 toneladas de dióxido de carbono, é fácil calcular só para este gás um valor de 25600 toneladas emitidas durante o acidente.
Penso que não será difícil para ninguém compreender, salvo as habituais excepções, que a ocorrência de um acidente de tal envergadura terá sempre impactes negativos sobre a qualidade do ar, do solo, do subsolo e das toalhas freáticas. Quando no século XVIII o grande químico francês Antoine Lavoisier estabeleceu a Lei da Conservação da Matéria mostrou que em qualquer transformação química (como num incêndio, por exemplo) a matéria não desaparece; apesar de poder ser transformada e apresentar novo aspecto (cinzas, resíduos, fumos, etc.) ela está sempre presente. Assim, o carbono e os outros componentes inicialmente presentes no granulado de borracha continuam a permanecer nos produtos finais, agora com novas propriedades não menos tóxicas, espalhados no ar, no solo e no subsolo.
Importante por isso teria sido a autarquia não menosprezar estas consequências, ter diligenciado no sentido de uma rápida despoluição do meio, ter informado desde logo como se iriam minimizar esses impactes e ao longo do tempo ter divulgado os resultados da monitorização realizada. É que não basta responder um ano depois (às questões levantadas pela comunicação social) que se analisou o estado do ambiente no local e que os resultados mostraram que estava tudo bem! Afinal quem é que analisou? E analisou-se o quê? E de que modo? E onde é que estão os resultados disponíveis para os cidadãos consultarem?
Todas estas considerações são importantes, não só por revelarem falta de atenção da autarquia na abordagem deste problema, com implicações na saúde pública dos cidadãos, mas também, a propósito da comemoração no próximo dia 22 de Setembro do Dia Europeu sem Carros.
E porque advogo tal importância? Por duas razões.
Primeiro, porque o problema da redução dos gases com efeito de estufa (entre os quais se destaca o dióxido de carbono), não passa exclusivamente pela poluição automóvel mas também e em larga escala pela poluição industrial! Em segundo lugar, porque uma Câmara Municipal de oratória ambientalista e que procura reduzir num dia por ano o trânsito automóvel no centro urbano da cidade de Ovar tem que efectivamente demonstrar nos outros 364 dias uma preocupação muito mais abrangente procurando eliminar todas as fontes poluidoras que afectam o concelho.
O ‘efeito de estufa’ é um fenómeno que tem sido provocado por um conjunto de poluentes atmosféricos, entre os quais se contam vários compostos produzidos durante a queima de combustíveis derivados do petróleo (como é o caso das borrachas!). Tais compostos acumulando-se na atmosfera criam uma barreira que impede a passagem das radiações reflectidas na superfície terrestre e consequentemente promovem o aumento da temperatura do ar induzindo grandes alterações climáticas. Seguramente que o incêndio de há um ano na ‘Biosafe’ deu um contributo para o agravamento deste fenómeno mundial. Terá sido por falta de condições de segurança na fábrica (já que um depósito de borracha ao ar livre constitui uma verdadeira ‘bomba’)? Por falta de atenção por parte das entidades fiscalizadoras? Por qualquer outra negligência? Por um infeliz acaso? Na verdade e independentemente da verdadeira causa, as muitas toneladas de gases tóxicos (dióxido de carbono, monóxido de carbono, diversos compostos orgânicos voláteis, compostos de arsénio e enxofre, etc.) libertados durante o incêndio, contribuíram não só para o fenómeno referido, mas também, afectaram a qualidade do ar respirado por todos nós, favorecendo a manifestação de doenças respiratórias. Mas não foi tudo. Encontrando-se a ‘Biosafe’ implantada sobre uma zona arenosa torna-se evidente a facilidade e rapidez com que os milhares de litros de água suja com resíduos e cinzas se infiltraram no subsolo atingindo os lençóis freáticos. Ora é precisamente a estes lençóis que a rede pública vai buscar a sua água!
Por tudo isto, que fique bem claro que o incêndio aqui referenciado não foi apenas o maior incêndio ocorrido em Ovar. Ele foi principalmente um enorme atentado ao ambiente desta região. Tão grande quanto a vontade de o fazer passar ao esquecimento. Por tudo isto, se pode concluir também que, gerir as questões ambientais não pode passar pelo enterrar da cabeça na areia e não é seguramente uma tarefa descontraída como brincar ao Carnaval.

(artigo publicado no Jornal de Ovar , de 05/09/08)