terça-feira, 7 de novembro de 2006

Seminário “Protecção do Litoral – Educação para o Desenvolvimento Sustentável”



Organizado pelo FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens) e realizado no passado dia 03 de Novembro no Salão Nobre da Câmara Municipal de Ovar, este seminário contou com a presença, entre outros, de duas personalidades de quem à priori se esperavam importantes considerações; eram elas, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades e um especialista em engenharia costeira e professor na Universidade do Porto. Ambos os personagens poderiam, efectivamente, ter dado um grande contributo no esclarecimento daquilo que irá ser feito a breve prazo para protecção do litoral português e concretamente do litoral ovarense.
Da parte do Secretário de Estado nada foi adiantado, infelizmente, sobre a nova estratégia do litoral para 2007, pese embora e segundo o mesmo, esta mesma estratégia ainda vir a ser revelada durante o mês de Novembro; foi, contudo, adiantado por este membro do governo que o orçamento previsto não irá chegar para resolver todos os problemas da orla costeira.
Da parte do professor especialista em engenharia costeira e que segundo o mesmo tem coordenado vários grupos de trabalho sobre gestão do litoral ao longo dos sucessivos governos, tendo contribuído, desse modo, para o aparecimento de múltiplos documentos legais sobre a mesma matéria, também nada foi referido quanto a novas estratégias a aplicar sobre o litoral português; pelo contrário, quando confrontado com a falta de coragem que tem existido em Portugal para substituir as intervenções da “pedra” por intervenções eficazes, o professor quis de uma acentada pôr por terra todas as opções alternativas que são defendidas em “A praia dos tubarões”, cantarolando a costumeira “canção do ceguinho”, de que a nossa costa é tão agitada que nada resulta a não ser pedra. Era tão bom que este senhor professor abrisse os olhinhos quando anda lá por fora a viajar e a palestrar em congressos e trouxesse para Portugal aquilo que se faz noutras paragens e em costas bem mais agitadas que a nossa. Era tão bom!
Uma das participações técnicas mais relevantes do evento foi logo a primeira, realizada por uma docente da Universidade Nova de Lisboa, subordinada ao tema “O projecto europeu de Desenvolvimento Sustentável”. Nesta comunicação ficou bem notório, sobretudo para quem anda menos atento a esta problemática, o grande fosso existente entre os objectivos delineados na Estratégia Europeia para o Litoral e o que efectivamente foi concretizado no nosso país até ao presente. Não restam dúvidas de que há, de facto,  um enorme percurso a percorrer. Um percurso que tem que começar, sem dúvida, na mudança de perfil dos actuais gestores do litoral. 
Um segundo momento importante neste seminário ocorreu com a apresentação dos projectos de Educação para o Desenvolvimento Sustentável desenvolvidos por alunos e professores de algumas escolas do concelho, no âmbito de um trabalho mais amplo, que o FAPAS vem implementando de modo análogo com várias outras escolas do país. Os referidos projectos, desenvolvidos pelas escolas   ovarenses, denotam a preocupação geral das comunidades educativas por questões tão importantes, como a conservação do ecossistema dunar.
O terceiro momento significativo deste seminário ocorreu no dia 04 de Novembro aquando da visita guiada pelo litoral do concelho. De facto e pese embora o tempo chuvoso que se fazia sentir nesse dia, os participantes na visita – aqueles que realmente se interessam por conhecer a realidade do litoral e que por tal razão trocam de bom grado o fato e a gravata pelo corta-vento e pelas sapatilhas - puderam apreciar no terreno como o litoral de Ovar está a desaparecer. A desaparecer, não ao ritmo anunciado numa das intervenções do dia anterior (informação descontextualizada que se baseou em valores citados na pág. 85 de “A praia dos tubarões”), mas a um ritmo bem maior (fornecido este, na pág. 87 do mesmo livro) e com consequências desastrosas para a manutenção do ecossistema costeiro.
Os participantes na visita constataram, ainda, como os diferentes factores, naturais e antrópicos, interferem na dinâmica do litoral arenoso, além de terem constatado ao vivo as perigosas plataformas de galgamento existentes em torno do Furadouro, as construções recentes em zonas de alto risco e o avanço impressionante do mar em Maceda, devido à acção nefasta dos esporões. A visita terminou na praia de Esmoriz com a visualização de fotografias antigas da praia e da Barrinha, antes de as mesmas terem chegado ao estado calamitoso em que se encontram.
Estão de parabéns o FAPAS e todos aqueles que se inscreveram entusiasticamente no seminário para aprenderem mais sobre Protecção do Litoral. Pelo contrário, não podem estar de parabéns aqueles que não quiseram dar a informação que todos esperavam ouvir, nem aqueles que continuam a ter medo de ajuizar em público se as situações existentes no terreno estão bem ou mal. Esperemos, também, que num próximo seminário sobre esta temática, todos os oradores (investigadores?) procurem que os seus “Power Point”s não se resumam a dados, fotos e mensagens já conhecidos e publicados por outros investigadores (abusivamente não referenciados, como vem sendo costumeiro)! 
Por último, não posso deixar de referir e de louvar aquele que foi efectivamente o primeiro painel deste seminário, porque introduzido antes da ordem do dia e que eu tomo a liberdade de caracterizar como o painel dos «porquês?». Sob a forma de desdobrável distribuído a todos os que acorriam ao local, o painel dos «porquês» traduziu o descontentamento da população ovarense atenta às práticas irresponsáveis da administração central e local no que se refere à gestão da zona costeira; daquela população que não tendo tido condições para conquistar um assento no salão nobre sente o dever de alertar que iniciativas destas não podem servir para tentar branquear a escuridão da incompetência. Um painel que levantava questões tão importantes, como: desbaste do pinhal de Ovar e da mata da Bicha, porquê? Ria de Aveiro, assoreada e abandonada, porquê? Continuação da construção na orla costeira, porquê? Corte das verbas para o ambiente, porquê? Olhos fechados à extracção ilegal de areias, porquê? Populações piscatórias em risco, porquê?
E foram estes «porquês» que ficaram sem resposta nessa sexta-feira, após uma maratona de quase doze horas de muito se ter falado, discursado, falado, discursado.... vai-se lá saber para quê!!!
E a todos um Bom Natal.

(Artigo publicado a 07.12.06  e a 14.12.06 no Jornal de Ovar)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Os novos incendiários



Como se não bastassem as tristes estatísticas de carácter sócio-económico que nos últimos anos têm revelado estar Portugal na cauda da Europa, surgem ainda, como agravante, os números negros da actividade incendiária no nosso país. Números que excluem, claramente, factores casuísticos como estando na base desta calamidade; números que excluem, seguramente, o significado da intervenção deste ou daquele deficiente mental ou deste ou daquele pirómano, como estando na base de tamanha criminalidade. Pelo contrário, o terror a que se assiste, de norte a sul do país, todos os anos nos períodos quentes, mais parece estar relacionado com planos criminosos bem arquitectados, com uma actividade mafiosa que tenta dissimular-se à sombra dos discursos ministeriais em prol de mais protecção, de mais aviões, de mais corta-fogos, de mais viaturas anti-fogo, etc, etc, etc.
Como se não bastasse a apocalíptica destruição que tem ocorrido de forma generalizada pelas matas plantadas nas serranias e vales deste país, assistimos agora a uma nova vaga de destruição direccionada para as matas litorais. Trata-se da desafectação crescente das áreas florestais, de que Ovar se deverá orgulhar obrigatoriamente por ser um dos concelhos líderes nesta matéria.

A pretexto do desenvolvimento do concelho ovarense, que por muito esforço que se faça não se consegue perceber como e onde, os líderes políticos locais deixam que a mata litoral que se estende por todo o concelho vá sendo esventrada. Sportsfórum, Dolce Vita, hipismo, ténis, golfe, enfim, tudo aquilo que não interessa ter a custo da destruição de uma riqueza natural que esses mesmos líderes nunca souberam valorizar.
Creio que qualquer dos nossos vizinhos mais próximos, espanhóis e marroquinos, estão bem mais sensibilizados para a preservação dos seus espaços verdes do que nós. Espanha, porque não só tem uma grande porção do seu território com estatuto de protecção, mas sobretudo porque tem uma política nacional de ambiente articulada com as políticas das comunidades locais; Marrocos, porque sendo um país seco e árido tem naturalmente a preocupação de salvaguardar todos os oásis e jardins que possui.
Nós por cá é que não, pois queremos marcar a diferença.

Todas aquelas infra-estruturas que atrás citei, pensadas para Ovar e que poderiam muito bem ser construídas em terrenos sem qualquer valor natural (valorizando assim esses mesmos terrenos) vão, numa iniciativa de puro empreendedorismo cego (ou de qualquer outra forma de sentimento de... desprezo por Ovar), ser construídas no lugar onde antes se encontravam árvores centenárias, verdadeiros “pulmões” do concelho.
É caso para dizer, viva a diferença!

Vêm estas considerações a propósito de recentemente a comunidade ovarense ter sido informada pelos media locais de que havia sido aprovado por unanimidade em reunião de Câmara o “Ante-Plano do Plano de Pormenor do Centro Hípico Equestre do Furadouro”. Há muito, muito tempo que tal assunto não vinha sendo mencionado nos meios de informação, aparentemente quase parecia esquecido, muito provavelmente porque dada a delicadeza do assunto se entenderia, por bem, não haver vantagem em “fazer muitas ondas” em torno deste projecto, que implica desafectações à Reserva Ecológica Nacional e ao Regime Florestal.
Para quem possa andar mais distraído, ouvir falar deste projecto poderá induzir àquela ingénua sensação de se pensar que finalmente vai ser levada à prática uma iniciativa em prol da população de Ovar, uma iniciativa que poderá permitir, quanto mais não seja, aos mais jovens, aos filhos e netos vareiros poderem usufruir de uma actividade desportiva, habitualmente dispendiosa e por conseguinte muito pouco praticada no nosso país. 
Pois enganem-se os pais e os avós desta terra. Podem mesmo “tirar o cavalinho da chuva”, pois, por detrás da designação deste pomposo projecto está, nada mais, nada menos, do que...ora adivinhem lá?...se não conseguiram adivinhar eu digo...mais um projecto imobiliário para construção de habitações de luxo predominantemente do tipo unifamiliar.
Refira-se que esta ideia já não é nova e já teve até outros projectos percursores que, felizmente nunca saíram do papel.

De facto, um projecto desta natureza, centrado à partida em torno do hipismo, poderia enquadrar-se bem na paisagem de uma mata, caso esta não constitui-se, à presente data, a única forma de travar naturalmente o desgaste do campo dunar litoral e por conseguinte necessitar obrigatoriamente de estrita protecção.

Não está em causa a aceitação de projectos que possam trazer desenvolvimento para o concelho, antes, a forma como se faz a aceitação dos mesmos. O concelho de Ovar tem, por certo, entre as suas diferentes freguesias muitos espaços baldios propícios para a instalação de um projecto desta natureza, sem que o mesmo ponha em causa o equilíbrio natural da zona de implantação. Mais, Ovar tem superfícies, outrora industriais, hoje infelizmente devolutas e que poderiam ser reconvertidas para a concretização deste (ou de qualquer outro futuro!) novo projecto.
 Falemos claro.
 Estamos em Portugal e não em Inglaterra, Nova Zelândia ou Argentina, onde os desportos equestres são múltiplos e tradicionais, fazendo parte da própria herança cultural desses povos. Estamos em Ovar e não no Estoril ou no Algarve, onde o fluxo de turistas ou utentes deste tipo de infra-estruturas pode manter alguma afluência e regularidade proporcionando divisas à região.
  Falemos claro.
        Este projecto equestre assenta em 6 pólos (4 pólos residenciais, o pólo hoteleiro e o pólo dos equipamentos) todos com espaços comerciais, arruamentos e passeios associados. O denominado pólo de equipamentos engloba, aquilo que à partida é o chamariz do projecto (em termos de marketing, entenda-se) - o centro hípico e a área destinada ao ténis.
Contudo, uma análise do projecto permite constatar que entre a versão proposta pelos seus promotores em 2005 e aquela que foi proposta este ano houve, claramente, uma inversão no que respeita ao objectivo principal do mesmo – a promoção das actividades hípicas. De facto, e no que toca a equipamentos desportivos, a nova versão suprime a estrutura destinada à prática do Pólo, bem como, reduz para metade o número de courts de ténis; ou seja, verifica-se uma redução de cerca de 30% na área de parcelas destinada aos equipamentos desportivos.
Pelo contrário, entre as duas versões, a área das parcelas para habitação unifamiliar aumentou em mais de 150%, com o número de fogos a aumentar em cerca de 40%.
Um outro dado curioso do projecto parece revelar, muito bem, as reais expectativas dos seus promotores. Assim, a área do pólo hoteleiro diminuiu, entre as duas propostas, em cerca de 35%, sendo acompanhada de uma diminuição de mais de 15% no número de camas.
Falemos claro.
Não queiram atirar areia para os olhos dos munícipes. Este projecto poderá, a muito curto prazo, ficar reduzido à componente habitacional de luxo numa zona privilegiada de mata; que o mesmo é dizer a uma habitação de grande privacidade e simultâneamente muito próxima do mar, da Ria, da auto-estrada, do Casino, da cidade do Porto, do Europarque, etc, etc. De uma habitação, cujos proprietários quererão rasgar novas vias através da mata para chegarem mais rapidamente a Ovar ou a outro qualquer destino. De proprietários que se assim o desejarem (e apesar de proibitivo) poderão cruzar a mata a seu bel-prazer, longe da vista de todos, em veículos todo-o-terreno, sem respeito pela integridade do ecossistema.
Enfim, sem se vislumbrar que contrapartidas de efectivo desenvolvimento trará para o concelho, este projecto prepara, sem dúvida, a destruição de um secular recurso natural da região.  

Falemos claro.
A classe política de Ovar, seja qual for a sua cor, foi eleita para cuidar do bem público e para promover o desenvolvimento e bem estar dos munícipes locais; esta obrigação não implica, de modo algum, que se tenha que desencadear a delapidação dos recursos naturais e paisagísticos herdados, bem pelo contrário.
Segundo a ordem lógica, e por conseguinte esperada, para a evolução deste processo, ainda nada estará definitivamente decidido quanto à exequibilidade deste projecto, de consequências ambientais muito negativas. Caberá, então, à autarquia ovarense saber gerir esta iniciativa em nome do desenvolvimento sustentável do concelho, nomeadamente, ao disponibilizar outro espaço territorial para a implantação desta obra.

 (Artigo publicado a 02.11.06 e a 09.11.06 no Jornal de Ovar)

domingo, 17 de setembro de 2006

A propósito do Dia Mundial do Habitat



         2 de Outubro de 2006, Dia Mundial do Habitat. Um dia especialmente dedicado à preservação do “lugar” onde habita uma dada espécie; do lugar onde os organismos de cada espécie animal ou vegetal vivem, quer sob a forma de comunidade quer sob a forma de população. Caniçais, dunas costeiras ou escarpas de ilhas oceânicas são apenas três dos variadíssimos espaços existentes no planeta Terra, onde conjuntos determinados de organismos vivos precisam impreterivelmente de assentar “lugar”. Organismos esses que nestes três casos específicos poderiam bem ser, por exemplo e respectivamente por sequência, a garça-vermelha, o estorno e o airo-comum.
         2 de Outubro de 2006, um dia que servirá, então, para uma reflexão profunda sobre as estratégias usadas ou a usar de modo a conseguir-se fazer a conservação dos espaços biofísicos do planeta e consequentemente a conservação das espécies que os ocupam; um dia que servirá contudo, noutros casos, para finalmente dar ‘o primeiro passo em frente’ na adopção de uma política de ambiente ou para, pelo contrário, abandonar metodologias de inércia e inconsequentes.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, comemorar os 25 anos de trabalho em prol da preservação do arquipélago das Berlengas (a Reserva Natural das Berlengas), um espaço biofísico tão importante para as aves marinhas e cuja conservação tem sido possível graças a um trabalho de parceria levado a cabo entre o Instituto de Conservação da Natureza e a Câmara Municipal de Peniche.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, rejubilar perante iniciativas autárquicas em prol do ambiente, como as da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que entre outras, criou o Parque de Dunas da Aguda, numa estratégia de educação e de protecção dos habitats costeiros e das espécies que neles vivem.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, lamentar a falta de iniciativa da Câmara Municipal de Ovar em levar por diante a valorização e conservação da zona lagunar do concelho (repleta de habitats), nomeadamente ao virar as costas ao projecto de criação de uma área protegida.

         ‘Habitat’, uma só palavra mas plena de conteúdo, pois encerra em si todo um conjunto, muito diverso, de condições ecológicas características do local ocupado por uma dada espécie. E é importante referir que ao falar de ‘espécie’ não se deve reduzir este conceito somente aos animais inferiores ou às plantas; pelo contrário, o conceito tem a ver também connosco, ele é inerente ao homem, como espécie entre as demais. Assim, a cidade ou a aldeia, o bairro A ou o bairro B, a casa rural ou o apartamento urbano, etc, constituem também eles exemplos de ‘habitats’.
         Habitats humanos, que cada um de nós procura preservar, porque deles depende para viver, tal e qual como acontece no mundo dos seres vivos inferiores; vida essa que cada um de nós pretende levar com a máxima qualidade possível, tal como de forma instintiva, o fazem os seres vivos inferiores.
         Habitats humanos que, contudo e frequentemente podem ver-se ameaçados, tal como acontece no mundo das espécies irracionais e inconscientes; ameaçados, por exemplo, por factores ecológicos naturais incontornáveis, como seja, o avanço das águas do mar sobre a faixa costeira.
          Deste modo e neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ passará também e obrigatoriamente por um esforço em tentar compreender as razões incongruentes assumidas pelas instituições governamentais a diferentes níveis, quando são capazes de demonstrar total insensibilidade perante a segurança dos ‘habitats’ humanos, que o mesmo quer dizer, perante a segurança de pessoas e bens (como exemplo, atente-se na extraordinária demora experimentada no realojamento dos moradores do bairro piscatório de Esmoriz, um ‘habitat’ indubitavelmente de alto risco).
          
           2 de Outubro de 2006. Face aos casos apresentados, reflectir em Portugal neste dia, sobre a importância dos ‘habitats’ deverá ser também uma ocasião para uma auto-análise por parte dos gestores ambientais no que respeita ao desempenho das suas funções. Uma auto-análise e uma auto-crítica, que em alguns casos deveriam conduzir à abdicação de cargos, sempre que a falta de vocação para a gestão ambiental se torne por demais evidente.


 (Artigo publicado a 05.10.06 no Jornal de Ovar)

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

A propósito do Dia Internacional da Limpeza das Praias


Por certo que, na mente ou nas mentes de quem idealizou um dia especialmente dedicado a esta temática, não estaria, como objectivo principal do mesmo, fazerem-se ouvir meras declarações públicas institucionais, o anúncio de um conjunto mais ou menos elaborado de boas intenções inconsequentes ou até mesmo a demonstração pública de uma qualquer coreografia realizada à beira-mar. Creio não errar ao afirmar que, em vez disso, se pretenderá com esta comemoração definir um conjunto, mesmo que simples, de intervenções a serem efectivamente levadas à prática, no sentido de se melhorar a qualidade das areias e da água das praias em todo o mundo.
Mundo esse onde estamos nós. Nós, habitantes de Portugal e concretamente do concelho de Ovar. Nós, juntamente com os nossos representantes do Poder Local, escolhidos como os melhores para servirem o Bem Público da nossa terra. Contudo, a realidade deixa de ser o que deveria ser, para ser aquilo que infelizmente é. E então, o que constatamos nós, ovarenses?
Todos os anos ao abrir oficialmente a época balnear e em plena praia soam de forma desconcertante discursos, com pompa e circunstância, proferidos por responsáveis – os senhores das praias - enquanto Bandeiras Azuis são hasteadas ao som das palmas inocentes batidas pelos meninos e meninas que para lá são conduzidos, com o intuito de dar cor e moldura ao cenário. Fotografias, reportagens na imprensa, muitos registos para a posteridade. Tudo muito bonito, obra feita têm a descaradez de dizer alguns, mas... o lixo ou as descargas de águas sujas provenientes da Barrinha de Esmoriz, parecem ser a partir dessa mesma data condição sine qua non para se manter a tradição, que o mesmo é dizer, o cartaz turístico vareiro oferecido em pleno período de veraneio.
E este cartaz turístico é uma chatice. Uma chatice, pois os efluentes acabam por ficar muitos dias nas praias do concelho, mais ou menos diluídos, com mais ou menos coliformes fecais, mas sempre, sempre, a colocarem em risco a saúde das pessoas e a contaminarem as praias.
        Mas a seguir vem o pior. Pois, se entretanto e perante tal cenário há alguma alma deste rincão português que clama com motivos mais do que justos que a água do mar cheira mal ou que a areia da praia está suja, ouve-se invariavelmente da parte dos responsáveis, que são acusações injustas, que não é da responsabilidade deles, que não têm competências, que a culpa é de desconhecidos, blá, blá, blá, ... blá, blá, blá. Isto acontece porque simplesmente estes “senhores das praias” se “esqueceram” de que poluição das praias constitui um problema de saúde pública e não um obstáculo político-partidário a contornar. “Esqueceram-se” estes senhores que, saúde pública e qualidade do ambiente constituem assuntos com os quais, certamente, se comprometeram quando assumiram os respectivos cargos.
Ninguém pede que os problemas das praias se resolvam todos, do dia para a noite. Mas nada justifica que, alertados para os diferentes problemas ambientais associados à qualidade das praias, os responsáveis queiram arrastar eternamente, ano após ano, o adiar de soluções, culpabilizando terceiros sempre que um acidente ambiental acontece, como seja a abertura extemporânea da Barrinha de Esmoriz.

Seria bom, de facto, que os responsáveis pelas praias do concelho de Ovar fizessem o favor (leia-se antes, o dever) de no próximo ano falarem de qualidade das praias, associando a este conceito a exposição da dita Bandeira Azul, somente quando diariamente houver a certeza de que os parâmetros mais sumários (cor, aspecto e cheiro) das águas do mar estiverem em conformidade. É necessário ter a honestidade de arriar a Bandeira Azul e manter hasteada a Bandeira Vermelha sempre que se constatar que a água do mar se encontra suja ou de aspecto duvidoso.
A terminar este artigo dedicado ao Dia Internacional da Limpeza das Praias, assinalado no próximo dia 22 do corrente mês, lembro, que já decorreu tempo mais do que suficiente e acidentes ambientais mais do que numerosos na costa ovarense para que se tivesse tido a iniciativa de reduzir o intervalo de tempo que medeia a recolha de amostras nas praias do concelho, aumentando, assim, a confiança nos resultados oferecidos aos utentes destas praias tão permeáveis a factores ambientais negativos.

 (Artigo publicado 07.09.06 no Jornal de Ovar)

domingo, 2 de julho de 2006

A propósito do Dia Nacional da Conservação da Natureza: APPFC, ICN & CMO



        É já no próximo dia 28 do corrente mês que mais uma data ecológica surge no calendário nacional – o dia dedicado à conservação da natureza, que o mesmo quer dizer, à conservação dos recursos naturais existentes no planeta, muitos dos quais de reposição demorada e por conseguinte ditos não renováveis. Florestas, animais selvagens, espécies piscícolas, minérios ou combustíveis fósseis são alguns dos recursos que o homem tem vindo a explorar frequentemente de forma irracional tendo já conduzido à extinção de muitas espécies vivas, colocado outras em vias de extinção e em estado de grande vulnerabilidade, muitas mais.
        Falar de conservação da natureza e de conservação dos recursos naturais seria falar, por conseguinte, entre outros, de personagens que afirmam ter grandes preocupações ambientais e que simultaneamente, pelos cargos que ocupam, reúnem capacidade de intervenção em prol dessas mesmas preocupações, com competências para corrigir o que está mal ou tentar melhorar aquilo que merece cuidados. Contudo e infelizmente, este é o falatório que menos interessa recordar, numa época de líderes e gestores públicos, para a maioria dos quais o ambiente é efectivamente menosprezado e se fala de políticas ambientais apenas para dar um ar “democrático” à causa, assumindo-se, deste modo, uma postura “politicamente correcta”.
        Assim, falar de conservação da natureza e de conservação dos recursos naturais é importante, muito importante mesmo, mas desde que em torno de personagens que demonstram efectivamente coragem em levar à prática os seus discursos sobre a resolução dos problemas no âmbito das suas áreas de intervenção. Vem isto a propósito de uma ideia lançada há doze anos e apelidada de “Área de Paisagem Protegida da Foz do Cáster” (a partir daqui referida como APPFC). Uma ideia para conservar um rincão de território da beira-ria no concelho ovarense e que foi a essa data proposta à Câmara Municipal de Ovar (a partir daqui referida como CMO), para ser concretizada em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza (a partir daqui referido como ICN).
        A APPFC pretendia ser a figura jurídica que iria permitir preservar as Moitas e Marinhas de Ovar (localizadas na parte sul do concelho, em plena área da Ria de Aveiro), com todos os recursos naturais a elas associados. De facto, entre os objectivos que se pretendiam alcançar com esta área protegida, contavam-se a garantia da manutenção da nidificação de várias espécies de aves vulneráveis, entre as quais, a águia-sapeira (Circus aeruginosus) e a garça-vermelha (Ardea purpurea), bem como, o ordenamento do local para a promoção da educação ambiental e do turismo ”verde”.
        E o que foi feito, então? Após o interesse inicial (pelo menos aparente) por parte da CMO na ideia, e logo após a visita de alguns técnicos do ICN que demonstraram grande satisfação pela área visitada e pelos recursos que esta apresentava, garantindo ter a mesma condições para poder usufruir do estatuto de APPFC, simplesmente, o projecto desapareceu... desapareceu dos interesses municipais sem qualquer justificação... desapareceu, porque decerto alguém, pelo cargo que ocupa, decidiu engavetá-lo nalgum gabinete dos Paços do Concelho vareiro. Contudo, é importante salientar que com mais este imprudente desleixo da CMO... desapareceu a importante colónia de garça-vermelha que à data existia no local.
São exemplos destes que reforçam, assim, a malfadada verdade contida no segundo parágrafo deste texto e que obrigam aqueles que desejarem fazer a diferença a enquadrar-se antes na letra do quarto parágrafo, para um dia poderem afirmar que no âmbito das suas responsabilidades também contribuíram decisivamente para a conservação da natureza e dos recursos naturais da sua região.
A natureza ovarense agradecerá.
        
(Artigo publicado a 13.07.06 no Jornal de Ovar)

quinta-feira, 4 de maio de 2006

A propósito do Dia Mundial das Aves (9 de Maio) e do Dia Internacional para a Diversidade Biológica (22 de Maio)


       As aves desde sempre atraíram o homem, quer pelos seus voos majestosos, quer pelas suas plumagens atraentes, quer ainda pelos seus magníficos cantos. Contudo, a importância que as aves representam para os homens vai muito para além destas características primárias que as tornaram deste modo seres apetecíveis a uma convivência doméstica. 
       Perseguidas ilegalmente sempre que a sua dieta alimentar inclui espécies com interesse para o homem, perseguidas também ilegalmente sempre que sobre elas pendem crenças obscuras, ou perseguidas simplesmente porque pertencentes a um grupo de seres relativamente aos quais o abate é permitido por lei, as aves que não gozando do estatuto de «domésticas» e que por isso fazem parte da fauna selvagem têm vindo a sofrer fortes declínios populacionais um pouco por todo o mundo.
       
A importância das aves na agricultura e na silvicultura

        É conhecido de todos que quer os campos incultos quer os campos cultivados, as searas, as florestas, as hortas e os jardins são locais onde abundam para além de muitas sementes de ervas daninhas uma multidão de insectos. Ora, são estes dois elos orgânicos que constituem a base da dieta alimentar de um grande número de espécies de aves.
         Entre nós, os indivíduos adultos de várias espécies como os pombos-bravos, os pardais ou os tentilhões figuram entre as espécies granívoras, enquanto as formas juvenis destas mesmas espécies, as andorinhas, os andorinhões, os chapins e as toutinegras pertencem ao grupo dos consumidores de insectos.
Saindo fora das nossas fronteiras lembremo-nos da grande variedade de insectos existentes por todo o mundo, especialmente abundantes nos países tropicais e equatoriais (só na Índia já se encontraram mais de 30 000 espécies), bem como, a sua enorme capacidade reprodutora (um só casal numa única estação reprodutora pode chegar a produzir várias dezenas de milhar de descendentes) e a sua enorme voracidade (uma só larva pode ingerir por dia uma quantidade de carne duzentas vezes superior ao seu peso inicial). Além do mais, os insectos constituem frequentes pragas (as nuvens de gafanhotos, por exemplo, chegam a encobrir a luz do Sol destruindo em apenas algumas horas toda a vegetação existente numa extensão de vários quilómetros), conduzindo à destruição das culturas e das madeiras e a enormes prejuízos económicos, pelo que será difícil imaginar o sucesso da agricultura, bem como, a sanidade dos povoamentos florestais sem as aves insectívoras.
Por incrível que possa parecer, até pelas falsas ideias que proliferam entre algumas populações campesinas, que vêem nestas aves atributos malignos, as corujas, os mochos e as aves de rapina diurnas são igualmente um auxiliar precioso do agricultor na medida em que exercem um controlo muito apertado sobre as populações de roedores, os quais podem representar também sérias pragas em algumas regiões do globo.


Relação custo/benefício das aves

         As ideias expostas parecem não deixar dúvidas sobre o papel benéfico das aves na rentabilidade das actividades agrícolas e florestais humanas. Contudo, não deixa de ser também uma verdade que em certas regiões e durante determinados períodos de tempo pode ocorrer um excesso de indivíduos de uma dada espécie ornitológica (excesso de pardais ou de estorninhos, por exemplo) conduzindo a um desequilíbrio nos ecossistemas.
No entanto, será bom não esquecer que estes excessos a acontecerem devem-se ao facto de actualmente, com o intuito de se obterem mais alimentos, se praticarem monoculturas diversas (pinhais, eucaliptais, searas, monoculturas específicas) em vez do que seria ecologicamente sustentável que seria o fomento da diversidade de culturas, permitindo a ocorrência de diferentes nichos ecológicos (como por exemplo acontece com a floresta caducifólia). De facto, a monocultura intensiva ao disponibilizar um determinado tipo de alimento promove o rápido crescimento populacional de uma dada espécie de aves: a espécie melhor adaptada e mais competitiva por esse mesmo alimento. 
Se a abordagem feita sobre o papel das aves terrestres na economia humana se revela de um interesse particular, o papel das aves marinhas e aquáticas no equilíbrio dos recursos pesqueiros oceânicos e lagunares é igualmente significativo. Gansos-patolas, tordas-mergulheiras e airos são algumas das espécies que no mar são responsáveis pelo controlo das populações de peixes enquanto garças, maçaricos, patos e galeirões cumprem as suas funções reguladoras nos ecossistemas de água doce.
A exploração intensiva de determinadas espécies piscívoras (espécies com valor comercial) conduz não só à redução destes stocks, como também, à redução de determinadas populações de aves que delas se alimentam. Em compensação, assiste-se ao crescimento de outras populações de aves, mais competitivas face às espécies piscívoras menos capturadas, conduzindo mais uma vez a desequilíbrios nos ecossistemas.

Assim, poder-se-à afirmar em termos conclusivos e no sentido de reconhecer às aves o seu importante papel na conservação dos ecossistemas humanos, que é absolutamente crucial que se proceda a investigações cuidadas sobre as mesmas e sua ecologia, de modo a esbaterem-se de forma conveniente os conflitos entre as aves consideradas «nossas aliadas» e as aves consideradas «nossas inimigas».

(Artigo publicado a 25.05.06 no Jornal de Ovar)

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Areia branca, negócio preto


            Com este mesmo título dei corpo a um dos capítulos do meu último livro, “A Praia dos Tubarões”, capítulo esse dedicado à extracção e negócio das areias; negócio que umas vezes se efectua sob a capa da legalidade, outras vezes (muitas, infelizmente) tão-somente em torno de actividades furtivas.
            No referido texto procurei documentar a crescente actividade de extracção de dragados portuários ao longo das últimas décadas, como resposta às necessidades de manutenção dos canais de navegação; procurei, ademais, deixar também em registo a necessidade urgente de uma mudança na política de distribuição desses mesmos dragados portuários, já que estes ao serem vendidos, isto é, ao saírem da orla litoral nunca mais poderão cumprir a missão de formarem dunas nem robustecerem praias. Ora é precisamente por estes factos que teimo em afirmar que, esta actividade económica, embora decorrendo na maior das legalidades, constitui efectivamente um grave atentado ambiental pelo défice de areias que induz na costa portuguesa, à data extraordinariamente erodida.

            Também no referido capítulo de “A Praia dos Tubarões” foi abordada a extracção ilegal de areias em depósitos consolidados afastados da linha de costa, frequentemente florestados, alguns deles no nosso concelho, flagrantemente localizados nas proximidades do centro da cidade. Nestes locais será pela calada da noite que a areia é abusivamente carregada e despachada também para fora do circuito litoral, numa acção de delapidação de um recurso natural não renovável, que por tal motivo deveria merecer uma atenção muito cuidada por parte dos governantes locais, algo que infelizmente parece não estar a acontecer. Estes depósitos de areia, refiro também num outro capítulo do mesmo livro, deveriam ser hoje preservados, já que num futuro próximo poderão vir a ser necessários para abastecimento das nossas praias e dunas.

             O presente texto pretende abordar um terceiro cenário, diferente dos dois anteriores, mas composto por elementos de ambos: a legalidade dos actos comerciais, por um lado e os depósitos arenosos florestais, por outro.
             Vem isto a propósito do empreendimento em curso na zona florestal a norte da cidade e que inclui a construção do Pavilhão Multiusos (Sportsforum), um projecto que à partida parece vir a ser de grande interesse para o desporto e para a cidade de Ovar. Efectivamente são cerca de 240 000 metros quadrados de floresta derrubada surgindo em seu lugar um pavilhão, várias lojas e algumas salas de cinema, segundo consta. Mas é também daqui, desta enorme clareira que está a ser retirada areia, muita areia, a qual empilhada no local forma já um autêntico cordão dunar. 
              E qual será o destino de toda esta areia que, segundo parece, não é propriedade dos investidores mas sim da Câmara Municipal de Ovar?
              Não será muito difícil admitir que a mesma deverá vir a ser comercializada, seguindo os circuitos habituais neste poderoso segmento de mercado. Se assim vier a acontecer, mais uma vez, algo está mal nesta visão de gerir os bens públicos, pois como referi antes, esta areia (que outrora foi areia de praia tendo sido retida ao longo dos anos pela mata) deveria hoje voltar novamente ao litoral para minimizar os efeitos da erosão costeira.

               Deste modo sugiro a quem tem a posse destes areeiros, precisamente a Câmara Municipal de Ovar, que procure fazer uma utilização racional desta areia, utilizando-a na reconstrução do cordão dunar ovarense.
               Uma iniciativa destas, devidamente planificada, além de pioneira, marcaria uma verdadeira mudança no estilo de liderança autárquica vigente nos últimos doze anos, pautado este, entre outros, por uma insensibilidade perante a contínua degradação do litoral vareiro e uma incapacidade de um diálogo construtivo no sentido de uma melhor resolução dos problemas costeiros.

 (Artigo publicado a 20.04.06 no Jornal de Ovar)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

A propósito do Dia Mundial das Zonas Húmidas: Brincando aos castelinhos de areia (2.º Acto)


          No passado dia 2 de Fevereiro celebrou-se em todo o mundo mais um dia especialmente dedicado à protecção das Zonas Húmidas. Entendem-se por Zonas Húmidas todos os biótopos onde a água e a terra se ligam de forma muito particular proporcionando zonas de altíssima produtividade orgânica e por conseguinte zonas de enorme valor para o homem. Rios, ribeiros, sapais, rias, estuários, lagoas,....., enfim, toda e qualquer mancha de água rodeada de vegetação ripícola, a transbordar de vida animal constituem, então, a figura principal deste dia mundialmente consagrado.
            Três décadas passadas sobre a entrada em vigor da Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional para as Aves Aquáticas, mais conhecida por Convenção de Ramsar, Portugal, que ratificou cinco anos depois esta mesma convenção, ainda só conseguiu identificar (e classificar) 12 sítios, dos quais apenas um possui elaborado o respectivo Plano de Ordenamento.
            Três décadas passadas, as Zonas Húmidas portuguesas continuam, contudo, a ser tragicamente maltratadas por diferentes factores, entre os quais, sobressaem a poluição industrial e urbana, a construção imobiliária desregrada, a agricultura abusiva dos solos, o abandono do salgado, o turismo insustentável e os excessos de uma actividade monstruosa (o abate indiscriminado e ilegal de espécies protegidas) a que alguns chamam estupidamente actividade cinegética.
            Três décadas passaram e as Zonas Húmidas portuguesas têm contado, anualmente aquando da comemoração desta data (e acredito que continuarão a contar no futuro), com os tradicionais comunicados das grandes associações ecologistas portuguesas! Eu, por mim, prefiro comemorar este dia com o relato dos acontecimentos que desde o passado dia sete têm deixado mais uma vez perplexos todos aqueles que passam pela praia de Esmoriz junto à Barrinha, um local abandonado desde há muitos anos.

            Há cerca de um ano nesta mesma coluna escrevia com o título em epígrafe, acerca de uma brincadeira que estava a ser levada a cabo na Barrinha de Esmoriz. Pretendia-se naquela altura transformar em ‘projecto de engenharia do século’ uma obra da qual restam actualmente apenas vestígios, espalhados pelo areal da praia e pelo leito e margens da lagoa, tal foi a resposta dada pelo oceano.          O tal dique fusível sucumbia, assim, perante a fragilidade da sua própria concepção, não sem antes ao erário público terem sido subtraídos 150 000 euros!
             Acontece, agora, que no mesmo areal onde outrora se ‘enterrou’ tanto dinheiro para a construção do dito dique, se assiste hoje, por um lado, ao desmantelamento do que resta dessa obra (que mais parecia afinal uma bandeira do partido que então governava) e por outro lado, ao despertar do que parece ser uma nova bandeira partidária: o enterramento de centenas de sacos (feitos de uma tela, à partida não biodegradável!), cheios com a areia escavada da própria praia em redor.
             A praia apresenta junto à Barrinha um aspecto desolador, com o areal completamente remexido, nalguns locais com enormes crateras, noutros pelo contrário com enormes castelos de areia, uma pilha esteticamente incómoda de enormes sacos brancos que irão formar uma barreira ainda maior, rectro-escavadoras que em vez de circularem pelo areal da praia arrastam-se sobre as dunas (!) tendo já destruído algumas por completo, trilhos destas máquinas por todo o lado, operários de uma subempreitada que dizem não saber quem realmente “manda naquilo”, falta de uma placa informativa sobre o alvará, custo e entidade responsável da obra, e.... pasmemo-nos mesmo, pois isto é de pasmar..... uma Câmara que, quando alertada para o que estava a acontecer na praia de Esmoriz fica perplexa pois desconhecia o que lá estava a ser feito! 
            Como acabei de referir, não são Ovnis, são escavadoras! Não são ETs, são funcionários de uma empresa devidamente identificada! Não estamos na Lua, estamos na Barrinha de Esmoriz! Por isso, eu como cidadão quero saber o que lá vai ser feito com o dinheiro público, que também é meu. Quero saber para que serve aquele novo projecto (se é que se pode falar de projecto!), quero saber se aquela movimentação de areias (sempre nociva para o equilíbrio das praias) tem alguma razão de ser, quero ficar a conhecer quem é o responsável ou responsáveis por mais esta iniciativa, quero que os meus autarcas “não andem a leste” do que se passa nas nossas praias, e gostava (se não for já pedir demais) que......por favor, não inventem!
            Vão aprender com quem sabe. Há de certeza quem consiga lidar com a gestão das Zonas Húmidas de uma forma ambientalmente mais agradável, mais racional, ou usando uma expressão dos miúdos do meu tempo, ... uma forma ‘mais melhor boa’!

(Artigo publicado a 16.02.06 no Jornal de Ovar)